Liberdade e Educação
No Público de hoje:
Enfrentar o desafio da reforma da educação no Reino Unido e... em Portugal
Francisco Vieira e Sousa
o mês passado, o primeiro-ministro inglês conseguiu impor ao seu partido a aprovação da reforma educativa proposta no livro branco intitulado Melhor Qualidade, melhores Escolas para Todos - Mais Escolhas para os Pais e para as Escolas, que, em conjunto com a ministra da Educação, Ruth Kelly, vinha promovendo desde Outubro.
Digo "conseguiu impor", porque o debate final em sede parlamentar, não obstante a justeza das propostas, não evitou a tradicional querela partidária do posicionamento ideológico entre esquerda e direita, com uma parte significativa do Partido Trabalhista a votar contra.
A ideia-força da reforma de Blair é a de que a forma mais eficaz de assegurar níveis educativos de qualidade e melhores escolas para todos é garantir a escolha da escola pelos pais. De facto, no essencial, as medidas preconizadas têm como objectivo possibilitar a todas as famílias a escolha da escola a frequentar pelos seus filhos. Entre estas destacam-se o financiamento público às escolas privadas que prestem o serviço público de educação, o incremento da autonomia das escolas estatais, o transporte gratuito dos alunos que têm menores recursos económicos para a escola da sua escolha, desde que situada a menos de dez quilómetros da residência, a introdução de um serviço local de promoção e apoio à escolha dos pais menos informados e o posicionamento das autoridades centrais e locais como garante da qualidade e da equidade do sistema e não como prestadores propriamente ditos do serviço de educação.
Para muitos, tudo isto parece novidade, mas a verdade é que Tony Blair não está "a inventar a roda". Esta reforma vem no seguimento de uma anterior abertura do sistema a uma sã concorrência entre prestadores do serviço público de educação, lançada em 1997, e segue de perto as mudanças que outros países, especialmente os escandinavos, têm vindo a pôr em prática desde a última década do século passado. A Europa, ou parte dela, percebeu que os seus sistemas de ensino nacionais, criados centralmente para responder à necessidade de estender a educação a toda a população, não seriam capazes de responder às exigências da sociedade de informação emergente. O modelo seguido até então, que havia permitido vencer o desafio da quantidade, revelava-se incapaz de ultrapassar o desafio da qualidade, de tal modo que o insucesso escolar crescia e o topo da classificação dos indicadores educativos internacionais começava a ser dominado por países asiáticos.
A reforma de Blair visa transformar a actual estrutura rígida e burocratizada do serviço público de educação numa estrutura flexível, onde a inovação e a capacidade criativa não sejam a excepção, mas a regra, proporcionando a todos o acesso a um ensino de maior qualidade, mais próximo da realidade de cada aluno e da sua comunidade educativa. Para tal, propõe-se, por um lado, dar expressão real à capacidade (e direito) dos pais escolherem a escola que consideram ser mais adaptada para os seus filhos e, por outro, utilizar um bem valioso, até agora menosprezado, que é a energia dos cidadãos, pais, professores, associações, igrejas, fundações, empresas, etc., abrindo o sistema educativo a todos os actores locais que desejem contribuir com o seu esforço e sabedoria, desde que cumpram certos requisitos do serviço público de educação.
Os opositores à mudança, supostos guardiães da igualdade, agitam três fantasmas ideológicos que a queda do Muro de Berlim deveria ter enterrado definitivamente: (1) o favorecimento das classes dominantes, afirmando que um sistema assim seria gerador de grande iniquidade, com os alunos provenientes de meios familiares economicamente favorecidos a frequentar as melhores escolas; (2) a superioridade moral do Estado, na suposta incapacidade dos pais de saberem escolher a escola dos filhos, ou podendo, não conseguirem tornar essa escolha efectiva; (3) a perfídia do mercado e da iniciativa privada, uma vez que a competição entre escolas seria prejudicial ao seu funcionamento, principalmente se parte das escolas fosse gerida ou detida por entidades privadas, preocupadas com a minimização dos custos e apenas animadas pelo lucro.
Acontece que o diagnóstico traçado pelo livro branco inglês acerca do seu sistema educativo não difere muito dos múltiplos diagnósticos que por cá se fazem. Quando muito, estará em causa o grau, que não a categoria das deficiências identificadas. Lá, como cá, "o diferencial na frequência entre escolas com elevados índices de sucesso e escolas com baixos resultados é demasiado grande". Lá, como cá, "os resultados educativos das crianças ainda estão intimamente ligados ao estatuto económico e social de seus pais", tornando-se um entrave à promoção cultural e social dos mais pobres.
Tony Blair teve a seriedade intelectual e a coragem política de dizer ao povo inglês aquilo que em Portugal muitos também começam a dizer em voz baixa, mas os cânones do politicamente correcto impedem muitos outros de afirmar em voz alta: que só a liberdade de educação, incluindo de escolha da escola, é capaz de garantir a igualdade de oportunidades de educação. Para os alunos mais pobres, "uma escola igual para todos" significa frequentemente uma escola esquecida e sem qualidade; em contrapartida, o actual sistema acaba por beneficiar os alunos provenientes de famílias mais favorecidas, quer recorrendo a formalismos em que os centralismos burocráticos são prólogos, quer escolhendo viver na vizinhança das escolas melhores, quer optando por escolas não estatais.
A garantia de liberdade de educação para todos é a única forma de defender e promover a igualdade de oportunidades de educação com qualidade para todos. Este deveria ser o princípio estruturante de qualquer reforma educativa em Portugal, a partir do qual a mudança brotaria sem dor, a partir de cada realidade. Com efeito, num sistema educativo constituído de igual forma por escolas estatais e não-estatais com ampla autonomia, em que imperasse a possibilidade de escolha dos pais, as aulas de substituição, o prolongamento dos horários escolares ou a estabilização do corpo docente seriam uma realidade há muito, sem qualquer necessidade de imposição superior. Nas palavras de Tony Blair, trata-se de "garantir que as melhorias se tornem auto-sustentadas no interior das próprias escolas, com as escolas e os pais a determinarem e conduzirem a mudança".
A José Sócrates e a Maria de Lurdes Rodrigues pede-se, pois, a coragem de avançar com idêntica reforma, para que também Portugal consiga níveis educativos de qualidade e melhores escolas para todos.
Militante socialista e membro do Fórum para a Liberdade de Educação
Enfrentar o desafio da reforma da educação no Reino Unido e... em Portugal
Francisco Vieira e Sousa
o mês passado, o primeiro-ministro inglês conseguiu impor ao seu partido a aprovação da reforma educativa proposta no livro branco intitulado Melhor Qualidade, melhores Escolas para Todos - Mais Escolhas para os Pais e para as Escolas, que, em conjunto com a ministra da Educação, Ruth Kelly, vinha promovendo desde Outubro.
Digo "conseguiu impor", porque o debate final em sede parlamentar, não obstante a justeza das propostas, não evitou a tradicional querela partidária do posicionamento ideológico entre esquerda e direita, com uma parte significativa do Partido Trabalhista a votar contra.
A ideia-força da reforma de Blair é a de que a forma mais eficaz de assegurar níveis educativos de qualidade e melhores escolas para todos é garantir a escolha da escola pelos pais. De facto, no essencial, as medidas preconizadas têm como objectivo possibilitar a todas as famílias a escolha da escola a frequentar pelos seus filhos. Entre estas destacam-se o financiamento público às escolas privadas que prestem o serviço público de educação, o incremento da autonomia das escolas estatais, o transporte gratuito dos alunos que têm menores recursos económicos para a escola da sua escolha, desde que situada a menos de dez quilómetros da residência, a introdução de um serviço local de promoção e apoio à escolha dos pais menos informados e o posicionamento das autoridades centrais e locais como garante da qualidade e da equidade do sistema e não como prestadores propriamente ditos do serviço de educação.
Para muitos, tudo isto parece novidade, mas a verdade é que Tony Blair não está "a inventar a roda". Esta reforma vem no seguimento de uma anterior abertura do sistema a uma sã concorrência entre prestadores do serviço público de educação, lançada em 1997, e segue de perto as mudanças que outros países, especialmente os escandinavos, têm vindo a pôr em prática desde a última década do século passado. A Europa, ou parte dela, percebeu que os seus sistemas de ensino nacionais, criados centralmente para responder à necessidade de estender a educação a toda a população, não seriam capazes de responder às exigências da sociedade de informação emergente. O modelo seguido até então, que havia permitido vencer o desafio da quantidade, revelava-se incapaz de ultrapassar o desafio da qualidade, de tal modo que o insucesso escolar crescia e o topo da classificação dos indicadores educativos internacionais começava a ser dominado por países asiáticos.
A reforma de Blair visa transformar a actual estrutura rígida e burocratizada do serviço público de educação numa estrutura flexível, onde a inovação e a capacidade criativa não sejam a excepção, mas a regra, proporcionando a todos o acesso a um ensino de maior qualidade, mais próximo da realidade de cada aluno e da sua comunidade educativa. Para tal, propõe-se, por um lado, dar expressão real à capacidade (e direito) dos pais escolherem a escola que consideram ser mais adaptada para os seus filhos e, por outro, utilizar um bem valioso, até agora menosprezado, que é a energia dos cidadãos, pais, professores, associações, igrejas, fundações, empresas, etc., abrindo o sistema educativo a todos os actores locais que desejem contribuir com o seu esforço e sabedoria, desde que cumpram certos requisitos do serviço público de educação.
Os opositores à mudança, supostos guardiães da igualdade, agitam três fantasmas ideológicos que a queda do Muro de Berlim deveria ter enterrado definitivamente: (1) o favorecimento das classes dominantes, afirmando que um sistema assim seria gerador de grande iniquidade, com os alunos provenientes de meios familiares economicamente favorecidos a frequentar as melhores escolas; (2) a superioridade moral do Estado, na suposta incapacidade dos pais de saberem escolher a escola dos filhos, ou podendo, não conseguirem tornar essa escolha efectiva; (3) a perfídia do mercado e da iniciativa privada, uma vez que a competição entre escolas seria prejudicial ao seu funcionamento, principalmente se parte das escolas fosse gerida ou detida por entidades privadas, preocupadas com a minimização dos custos e apenas animadas pelo lucro.
Acontece que o diagnóstico traçado pelo livro branco inglês acerca do seu sistema educativo não difere muito dos múltiplos diagnósticos que por cá se fazem. Quando muito, estará em causa o grau, que não a categoria das deficiências identificadas. Lá, como cá, "o diferencial na frequência entre escolas com elevados índices de sucesso e escolas com baixos resultados é demasiado grande". Lá, como cá, "os resultados educativos das crianças ainda estão intimamente ligados ao estatuto económico e social de seus pais", tornando-se um entrave à promoção cultural e social dos mais pobres.
Tony Blair teve a seriedade intelectual e a coragem política de dizer ao povo inglês aquilo que em Portugal muitos também começam a dizer em voz baixa, mas os cânones do politicamente correcto impedem muitos outros de afirmar em voz alta: que só a liberdade de educação, incluindo de escolha da escola, é capaz de garantir a igualdade de oportunidades de educação. Para os alunos mais pobres, "uma escola igual para todos" significa frequentemente uma escola esquecida e sem qualidade; em contrapartida, o actual sistema acaba por beneficiar os alunos provenientes de famílias mais favorecidas, quer recorrendo a formalismos em que os centralismos burocráticos são prólogos, quer escolhendo viver na vizinhança das escolas melhores, quer optando por escolas não estatais.
A garantia de liberdade de educação para todos é a única forma de defender e promover a igualdade de oportunidades de educação com qualidade para todos. Este deveria ser o princípio estruturante de qualquer reforma educativa em Portugal, a partir do qual a mudança brotaria sem dor, a partir de cada realidade. Com efeito, num sistema educativo constituído de igual forma por escolas estatais e não-estatais com ampla autonomia, em que imperasse a possibilidade de escolha dos pais, as aulas de substituição, o prolongamento dos horários escolares ou a estabilização do corpo docente seriam uma realidade há muito, sem qualquer necessidade de imposição superior. Nas palavras de Tony Blair, trata-se de "garantir que as melhorias se tornem auto-sustentadas no interior das próprias escolas, com as escolas e os pais a determinarem e conduzirem a mudança".
A José Sócrates e a Maria de Lurdes Rodrigues pede-se, pois, a coragem de avançar com idêntica reforma, para que também Portugal consiga níveis educativos de qualidade e melhores escolas para todos.
Militante socialista e membro do Fórum para a Liberdade de Educação
2 Comments:
Este comentário foi removido pelo autor.
Seria muito bom se as pessoas que empreendem as reformas educativas, em qualquer país, percebessem alguma coisa da educação.
Temos muitas reservas quanto a utilidade de seguir o exemplo Inglês, já que, seguindo o mesmo para massificar o ensino superior, e depois, a deparar com o insuccesso escolar crescente, introduzindo critérios economicistas na gestão do mesmo, conseguiu-se atingir o estado da degradação avançada de exigências educativas e de padrões de avaliação, no qual o sistema nacional de ensino superior se encontra.
Quanto a informatização na sociedade moderna, esta não consegue subsituir o professor da escola primária e ensinar um aluno a ler, em tempo útil. Os desafios para o sistema de ensino continuam a ser os mesmos de sempre: preparar uma população educada.
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